Lançamento do documentário “Sergio Britto – O Mestre dos Palcos”

Sérgio Britto é homenageado durante exibição de documentário no Odeon. A história do ator e empresário das artes é registrada em documentário que será distribuído para bibliotecas, escolas e universidades.

O mais importante ator do teatro brasileiro recebe uma homenagem à altura de sua biografia profissional. O documentário “Sergio Britto – O mestre dos palcos” resgata a trajetória deste intérprete que carregava a  dramaticidade na veia e que viveu intensamente a sua principal paixão. Sergio Britto marcou uma geração de atores e diretores e deixou seu nome registrado no teatro nacional.

A produção faz parte da série Grandes Brasileiros, produzida pela FBL Criação e Produção, sob direção geral de Rozane Braga, e com o patrocínio do Bradesco Seguros, da Eletrobrás, do Governo Federal, da Ancine, da Light, do Governo do Rio de Janeiro, da Secretaria de Estado de Cultura, da Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Rio de Janeiro e apoio do Sesc. A versão em DVD, assim como todos da série – que já homenageou oito brasileiros de destaque, como Barbosa Lima Sobrinho, Tancredo Neves, Ziraldo, Portinari e Roberto Marinho – será distribuída gratuitamente em bibliotecas, escolas, universidades, ONGs e centros de pesquisa. Também será vendido nas lojas da Livraria Cultura.

“Sergio Britto não foi apenas um artista atuante, brilhante na arte de representar, um ator completo. Ele é, por excelência, uma das testemunhas mais importantes, de pelo menos, 60 anos de vida cultural brasileira”, esclarece Rozane.

O longa, que conta com roteiro de Regina Zappa e direção de Vince Tigre, refaz o caminho de Britto a partir de seu início nos palcos, ainda durante a faculdade de Medicina; o momento em que se decidiu pelo teatro; até o fim da vida, quando interpretou Beckett nos seus últimos anos, mas com o mesmo vigor da juventude. A partir de depoimentos de familiares e profissionais que o acompanharam na vida e nos palcos e imagens recuperadas de entrevistas e do acervo pessoal do ator, o documentário apresenta o Sergio Britto como ele sempre foi: intenso e incansável.

“Um obstinado!” define Fernanda Montenegro, sua grande parceira ao lado de Nathalia Thimberg e Ítalo Rossi.

A atuação de Britto, no entanto, não se limitou ao teatro. O ator interpretou inúmeros personagens na televisão e no cinema. Na TV fez, pelo menos, uns 300 galãs. “Não tinha escapatória”, diz por conta de seu aspecto físico. Mas a sua contribuição mais marcante para a telinha foi como criador, diretor e ator do Grande Teatro Tupi, que foi ao ar por mais de dez anos, incialmente na TV Tupi, transferindo-se ao final para a TV Globo. O teleteatro apresentou sob o seu comando um repertório de mais de 450 peças dos maiores autores nacionais e estrangeiros – um programa formador de plateia, referência na história da televisão e do teatro brasileiro.

“Nós éramos loucos. Fizemos praticamente tudo do teatro mundial naquelas segundas-feiras”, relembra Nathalia Timberg.

Apesar de a vocação parecer à flor da pele, a decisão pelas artes dramáticas não foi nada fácil. Chegou a se formar em Medicina. Num momento de ímpeto, quando a família estava fora, cortou os dois pulsos com uma lâmina de barbear. Mas garante que não queria se matar. Mais tarde, interpretou o ato como uma vontade de assumir o seu desejo. “Havia em mim alguma coisa que estava querendo se libertar. Na hora, eu posso não ter raciocinado, mas, poucos dias depois, eu sabia o que era: eu queria fazer teatro e a família estava me empurrando para a Medicina. A primeira reação de sair dessa prisão foi cortar o pulso”, conta.

O caminho não poderia mesmo ser outro. Parecia evidente o seu interesse desde criança quando, por volta de dez e 11 anos, ia ao cinema três vezes por semana e via duas sessões por dia. Na volta para casa, representava os filmes que tinha visto. Foi através das artes, inclusive, que começou a se soltar e moldar sua personalidade alegre e extrovertida. Antes, era muito tímido. “A partir do momento que eu fiz teatro, nasceu Sergio Britto”, relata.

O documentário de cerca de 60 minutos reúne momentos como esses e depoimentos do ator. Também participam, com lembranças emocionantes, de admiração e sempre carinhosas, atores e diretores que dividiram a cena com Britto. Entre eles, Fernanda Montenegro, Nathalia Timberg, Amir Haddad, Bárbara Heliodora, Daniel Schenker, Paulo Mamede, Irene Ravache e seus sobrinhos Paulo Brito e Marília Brito.

“Ele era de uma vocação arrebatadora. Eu acho que não conheço ninguém com aquela força de vocação na vida”, revela Fernanda Montenegro.

Era tanta força mesmo que, além de ator, também foi um empresário. Fundou o Teatro dos Doze, Teatro dos Sete, o Teatro dos Quatro, dirigiu e produziu. “Fazedor de teatro. O cara que faz o teatro acontecer”, definiu Gerald Thomas.

“Quando o público e ator vibram na mesma frequência; quando a palavra sai da boca do ator como se fosse música; quando a representação é inevitável; quando o personagem toma conta do corpo do ator; quando uma outra vida é vivida em cena, consciente e inconsciente, em curto circuito; então, o teatro é maior que a vida e a vida é pouca para tão forte experiência”. Sergio Britto.

Clipe do documentário “Sergio Britto – O mestre dos palcos”

Em 2013 quando Rozane Braga, diretora da FBL, procurou a família Brito para falar sobre o interesse de produzir um documentário sobre Sergio Britto para a série “Os Grandes Brasileiros”, ficamos satisfeitos e entusiasmados já que seria mais um produto cultural de preservação da memória do ator, um filhote do Acervo Sergio Britto, já disponibilizado para a sociedade através do Portal Sergio Britto Memórias.

Os documentários da série são distribuídos gratuitamente para escolas de ensino fundamental, universidades, ONGs, escolas de comunicações, bibliotecas, nas 350 escolas e bibliotecas do SESC, além de serem veiculados diversas vezes em varias TV abertas e a cabo : Canal Brasil, TV Brasil, Arte 1, TV Senado, TV Câmara, dentre outros.

O documentário “Sergio Britto – O Mestre dos Palcos” foi lançado no dia 29 de junho, dia de São Pedro, quando Sergio estaria completando 93 anos.

Convite – Lançamento do documentário “Sergio Britto O Mestre dos Palcos”

O documentário “Sergio Britto – O mestre dos palcos” resgata a trajetória deste intérprete que carregava a dramaticidade na veia e que viveu intensamente a sua principal paixão. Sergio Britto marcou uma geração de atores e diretores e deixou seu nome registrado no teatro nacional. O documentário será lançado em 29 de junho, no dia que o ator completaria 93 anos, às 20h, no Cine Odeon, Rio de Janeiro, numa sessão para convidados.

A produção faz parte da série Grandes Brasileiros, produzida pela FBL Criação e Produção, sob direção geral de Rozane Braga, e com o patrocínio do Bradesco Seguros, da Eletrobrás, do Governo Federal, da Ancine, da Light, do Governo do Rio de Janeiro, da Secretaria de Estado de Cultura, da Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Rio de Janeiro e apoio do Sesc. A versão em DVD, assim como todos da série – que já homenageou oito brasileiros de destaque, como Barbosa Lima Sobrinho, Tancredo Neves, Ziraldo, Portinari e Roberto Marinho – será distribuída gratuitamente em bibliotecas, escolas, universidades, ONGs e centros de pesquisa. Também será vendido nas lojas da Livraria Cultura.

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Lançamento do livro “Memória a Dois” em São Paulo – 7 de março de 2016

Textos das apresentações de João Bezinelli e Paulo Brito:

Paulo, assim que acabei de ler o livro que você me enviou escrevi um e-mail que não lhe mandei, e que o leio hoje.

Paulo, agradeço muito o convite para apresentar o livro – teu e do Sergio. Agradeço muito pelo carinho, principalmente por não ser eu, exatamente alguém que fale de livros. No máximo, e até por profissão, sou alguém que acompanha histórias, angústias, dores, sou alguém que contamina e é contaminado pelos vírus da vida… e da morte. Nós, terapeutas junguianos, do nosso jeito, tentamos ir além do discurso manifesto, tentamos também um olhar para o discurso oculto: para a voz da alma. E foi assim que li o seu livro e vi que ele vai além da palavra escrita, para além da palavra grafada no texto, tornando-se dessa forma importante não só pelo que diz, mas também pelo que evoca. Paulo, na fidelidade do seu relato, na simplicidade amorosa de como você diz, você faz com que de repente a gente esteja no casarão de Santa Teresa, escutando o eco do bondinho descendo a rua, sentindo o perfume do café recém-coado pela Chica. De repente estamos juntos, partilhando com você e Sérgio, tio e sobrinho, artistas, uma história de amor. Ler o livro é estarmos ali, ao lado de Alzira, tua avó e mãe de Sérgio, com a Nena e Hélio, teus pais tão queridos, e com o Naominho-gato, ronronando pela casa e se enroscando nos pés da gente. Somos como que “um” com a memória de Sergio, participantes todos de um tempo único, de um tempo que se condensa num “é”, aquele instante que reúne em si todo o tempo. De repente estamos num quarto, numa sala onde perfila ante nós a história do teatro brasileiro. Nesse tempo condensado se aglutinam amigos, autores, diretores, personagens e os Sérgios que foram tantos em um. É o que eu quis dizer, Paulo, quando disse que a força de um livro pode não estar apenas na palavra grafada, mas no que ela evoca, no que está atrás, no que está além. Isso é poesia e é também o que Jung, que foi uma das personagens, um dos “eus” de Sérgio, chamava de símbolo: é como aquela boneca russa, uma matrioshka que tem dentro de si uma outra, que também está grávida de outra e que nos leva a algo sempre além, para algo maior que a pequenez do nosso “eu”, para algo pleno de sentido. Essa capacidade de “um” que é muitos, esse tempo que é hoje e o infinito, essa porta aberta ao mistério…, bem, esse é o percurso do artista, essa é a alma de artista, aquela que fica como uma luz que clareia mesmo quando ele se vai.

É assim, Paulo, que você/Sérgio/matrioshka grávida nos levam do texto a Santa Teresa e de repente é uma delícia sermos recebido por você no casarão, de entrarmos e de te ver dançar com Sérgio – a mais perfeita junção de fisioterapia, ritmo e carinho. De te ver desfiando uma lista de palavras, fazendo com que Sérgio, às vezes carinhoso, às vezes birrento, a cada palavra associasse uma outra, e, dessa forma, por um lado você o ajudava a organizar uma memória ofuscada pelas trevas de um AVC, ajudava-o a reconstruir uma identidade, mas, por outro lado, você realizava uma espécie de um Experimento de Associação junguiano, aquele experimento em que uma palavra associada a outra e a outra acaba por nos revelar uma história subjacente, um subtexto. Uma história que, às vezes, não mais o cérebro, mas a alma nos conta. É curioso que a primeira palavra de Sérgio, que com sua ajuda começava a se organizar, a sair das trevas do AVC, a primeira palavra foi “Britha”, que é seguida por “Brotha”, que soa como um trajeto da pedra bruta ao brotar, ao renascer; e por fim ele consegue articular Britto, começando a consolidar assim sua identidade: Britto! E um pouco depois ele diz: “amanhici-noite”. O que a alma quer dizer quando diz que amanhece para a noite? E você, Paulo, nesse processo, foi como o ponto de teatro, o que murmura o texto ao qual o autor dá vida; melhor, aqui você foi como que um partejador de palavras, um partejador de memórias, aquele que as vai recolhendo, e elas vão grudando, vão se organizando, fazendo imagens, fazendo identidade e fazendo história.

E entre as memórias partejadas veio, e isso é tão significativo, “O Canto do Cisne”, a peça de Tchékhov,  fundamentada na lenda do cisne, mudo durante toda a vida, mas que quando se avizinha a morte canta um último e maravilhoso canto. Shubert a musicou como a “morte do cisne”. É a peça que Sérgio encenaria não fosse o AVC, é o texto com o qual se ocupava e que se fez tão importante nesse ponto da vida. Você nos conta que quando Isabel Cavalcanti visitou Sérgio, vocês três fizeram a leitura do texto, e que você, Paulo, a leu outras vezes, para que assim se fortalecesse a memória de Sérgio, que ansiava pela recuperação para poder encená-lo. A peça nos fala de um velho ator, Svetlovídov, que adormece no camarim e acorda no meio da noite e ainda com seu traje de palhaço, percorre o teatro vazio, chega então ao palco e dali, tudo o que vê, é um buraco negro sem fundo. Ele então sente a velhice e a festa que acaba. Mas de repente um susto, e eis que aparece Nikita, o ponto, que também dormira nos camarins. E então, como o último canto do cisne, Svetlovídov, com toda a energia e com o apoio do ponto que lhe dava a deixa, entre raios e trovões imaginários, encena Rei Lear, encena Hamlet, e terminam, os dois, com gritos de bravo! Bravo! E então Svetlovídov dirigindo-se a Nikita, o ponto, diz: “Nikita, onde há talento, não há velhice”! “Não chores… Onde há arte e talento não existe velhice nem solidão, nem doenças, e a própria morte recua uns passos”.

De fato, Paulo, a morte recuou alguns passos, esperou uns poucos meses antes de levar Sérgio. Nesse tempo você, como uma espécie de ponto-partejador, leu a peça para Sérgio, a peça que ele encenaria e que, não sei, Paulo, se você se deu conta, que numa espécie de metalinguagem Sérgio encenou, ou melhor, viveu, o que tanto queria viver: a peça que encenaria. Antes que ele amanhecesse para a noite.

Uma das últimas frases de Sérgio registradas por você no livro é: “Mas, o mais forte é o que fica no ar”. Obrigado, Paulo, por condensar para todos nós um pouco do mais forte – um pouco de Santa Teresa, um pouco da história do teatro brasileiro, um pouco da paixão de Sérgio pelo teatro, um pouco do amor de vocês que sem teu registro, ficaria no ar. Obrigado Paulo, por partejar, por trazer o livro à luz. –  João Bezinelli

 

 

Esse livro é um milagre, afinal Sergio estava chegando em casa de uma longa internação, debilitado, convalescendo, quando me fez o pedido: “Paulinho, agora você vai organizar o meu pensamento”. E eu ter ouvido o que estava por trás desse pedido.

Foi assim que esse texto começou a ser escrito.

Isso é o que chamo de milagre, está tudo ali para acontecer, mas foi preciso que Sergio e eu estivéssemos disponíveis.

Muito importante também o momento em que procurei Walter Boechat, seguindo também o desejo do Sergio. Walter, que já havia trabalhado com Sergio nos fundamentos da psicologia junguiana para a criação de seu espetáculo JUNG E EU, foi comigo de grande delicadeza, atenção, e logo percebeu a importância desse registro, aceitando escrever o prefácio. Isso foi fundamental para mim naquele momento.

Outro ponto importante foi a FUNARTE aceitar editar o livro. Sergio e eu sempre desejamos isso. Agradecemos a todos da Funarte, destacando Antonio Gilberto, Guti Fraga, Oswaldo Carvalho e Filomena Chiaradia.

Esse livro também faz parte de todo um projeto da nossa família, coordenado por minha irmã, pela preservação da memória do Sergio: Ocupação Sergio Britto em São Paulo, Projeto Sergio Britto Memórias.

Ainda no início, ainda nas primeiras anotações, eu lembrava da minha amiga Nise da Silveira, que sempre me dizia qual deveria ser a postura do terapeuta frente ao doente, frente à aquele que sofre. Que não se perguntasse muito, deixasse que a pessoa falasse o que queria e precisava dizer. O essencial. Porque eu tinha muitas curiosidades frente à vida do Sergio, às suas memórias, mas deixava que ele dissesse o que queria dizer, o que queria me contar. Eu sempre soube da importância desse texto e ele aos poucos, vai se dando conta, quando me pedia que eu lesse para ele o que nós tínhamos anotado. Sergio me ouvindo, vai se reconhecendo, vai fazendo contato com o significado do texto. Tudo devagarinho, respeitando o tempo que ele precisava, os silêncios, as reflexões para suportar a dramaticidade daquele momento. Esse texto foi também um exercício para manter a sua esperança de voltar ao palco, seu maior desejo. Durante a criação desse texto, Sergio ainda fazia comigo leituras da peça de Tchecov, O Canto do Cisne, que pensava encenar sob a direção da Isabel Cavalcanti. Ele tinha paixão por essa peça, e esse desejo ainda esteve presente até quando percebe sua incapacidade em memorizar.

Diariamente fazíamos exercícios teatrais, exercícios físicos, dizíamos poemas, cantávamos, Sergio eu e Marilia, dançávamos muito. Sergio adorava tudo isso, precisava se expressar e era necessário manter o seu tempo ocupado. Já no fim de sua vida, na sua última internação em dezembro de 2011, Sergio pede que o tire da cama do hospital: ”Paulinho, para eu ser feliz eu preciso trabalhar na boate, o único lugar do mundo que eu posso ser feliz é a boate ali, ao lado do teatro da Jacqueline Lawrence”.

Era o ator que precisava atuar, e quando me ditou esse texto, era um ator em estado de graça! – Paulo Brito

Lançamento do livro “Memória a Dois” no Rio de Janeiro – 2 de março de 2016

Textos das apresentações de Paulo Boechat e Paulo Brito:

Uma luta da vida para a superação dos limites do possível, o espírito em busca de caminhos criativos de cura, assim se expressam esses diálogos. Sergio encontrou em seu sobrinho Paulo Cesar o ouvido amigo, organizador de ideias, cristalizador de memórias, aglutinador do amor, companheiro constante na procura de seu ser…

Sergio Britto telefonou-me em 2005. Procurava em mim alguém que o ajudasse com os conceitos da psicologia de Jung para a peça Jung e Eu, monólogo de Domingos de Oliveira com a colaboração de Giselle Kosovski, sobre Carl Gustav Jung, que encenaria meses depois.

Encontrei Sergio Britto por diversas vezes em sua casa em Santa Tereza para discutirmos os conceitos fundamentais de Jung, o processo de individuação, o inconsciente coletivo e os arquétipos. Nesses encontros pude descobrir um Sergio Britto com um discurso vibrante, cativante, puro transporte, a magnética presença de um ator e diretor teatral de personalidade inigualável. Falei sobre os conceitos junguianos, Sergio demonstrou a íntima convivência com esses conceitos, sua vida sendo plena expressão daquilo que Jung denominou “processo de individuação”, uma intimidade com os processos internos, uma convivência com as imagens interiores, um trilhar de caminhos tortuosos para a expressão plena do self.

Falou-me com intimidade sobre seus estudos de medicina, muito a gosto da família, mas distintos de seu querer mais autêntico. A poderosa vocação para o teatro já vinha emergindo como expressão de seu self criativo na faculdade, entre os disfarces médicos de sua persona. E contou-me finalmente como o ator e homem de teatro brotaram em sua plenitude, e Sergio pode então construir seu caminho próprio. Eu ouvia a tudo emocionado, constatando que o processo de individuação a que Jung aludira é ainda possível, embora bastante raro.

Sergio contou-me suas experiências fundamentais. Como conviveu com o preconceito sobre sua orientação sexual e pode integrar em sua vida todos esses aspectos.

Ouvindo-o, pude perceber a sabedoria da idade avançada convivendo com a inocência e espontaneidade da criança. Parece-me ser essa a maturidade maior. A integração da homossexualidade não se deu sem sofrimento, como me narrou. Falou no rito de passagem do seu processo de individuação em sua tentativa de suicídio, feita de modo automático, cortando os pulsos, após bastante tempo tomando sol na praia de Copacabana. Só depois  entendeu os desafios e significados maiores de seu gesto para a integração de sua sombra.

Comentou outro ritual de passagem importante: sua desilusão com a medicina. Ainda estudante, plantonista em maternidade, os médicos estavam ausentes durante a noite (o que causava grande decepção em Sergio). Aconteceu um parto emergencial, com apresentação de cócoras. Sergio não sabia absolutamente o que fazer. Quando deu por si, estava fazendo o parto, que foi plenamente bem sucedido. A enfermeira parabenizou-o, relatando que ficou surpresa ao perceber que Sergio conhecia aquela manobra de… (usou um complicado nome em alemão do criador daquela manobra obstétrica). Sergio comentou para mim, com seu inigualável humor: “foi a minha primeira experiência mediúnica-junguiana do inconsciente coletivo…”. Ao ser perguntado sobre o que eu achava dessa sua experiência, comentei que realmente, em situações extremas, em momentos de transição de vida ou de morte, energias transpessoais podem ser ativadas no inconsciente coletivo, independentes de nossa volição pessoal. Sergio Britto teria sido um canal dessas forças curativas coletivas. Na verdade, ele o foi durante toda sua vida, imortal ator como foi, sempre um canal perfeito para personagens representantes de imagens arquetípicas do inconsciente coletivo. Ele sempre nos levou às nossas catarses, às nossas transformações, às nossas curas através de suas performances.

O interesse de Sergio por Jung vinha já de algum tempo. Essa identificação com as ideias junguianas o levou, logo após o êxito da peça Jung e Eu, a fazer uma apresentação para a edição de 2006 do conhecido livro autobiográfico de Jung, Memórias Sonhos e Reflexões, pela Nova Fronteira. Nessa apresentação Sérgio conta um pouco de seu acercamento do complexo pensamento do psicólogo suíço: “Jung via a libido com maior amplitude, acreditando que valores como a espiritualidade, criatividade e nutrição poderiam mover os homens com tanta força quanto o sexo… Mais uma vez me aproximo de Jung. Por mais que eu tenha sido um ser humano altamente sexual e sensual, minha libido maior, aquela que dominou minha vida acima de tudo, foi sempre minha carreira artística, especialmente a do ator teatral. Encontro no realizar teatral, na procura interna de meu personagem de cada nova peça, um jogo espiritual altamente prazeroso, e no ato de criar um ser novo que não sendo mais eu, e sim alguém que criei dentro de mim, a libido que realiza um orgasmo acima de todos que experimentei em toda a minha vida sexual amorosa”. (Sergio Britto, 2006: 11,12)

Tive ainda dois encontros com Sergio para mim bastante significativos: no primeiro conversamos sobre os aspectos psicológicos da peça de Lars Nören, Outono, Inverno, que Sergio encenou no CCBB do Rio de Janeiro de junho a agosto de 2006, com a direção de Eduardo Tolentino. A conversa foi no programa semanal de Sergio na TV Educativa, Arte com Sergio Britto. O segundo encontro foi um convite meu para Sérgio dar seu depoimento pessoal sobre Jung no Congresso Junguiano promovido no Hotel Glória, em 2008. Nesse último encontro, Sergio Britto foi muito aplaudido por uma plateia de centenas de pessoas de todo o Brasil ao repetir trechos de grande intensidade dramática da peça Jung e Eu.

Agora Sergio Britto novamente surpreende a todos com sua força criativa. Em momento de extremo sofrimento, busca um caminho inesperado de resgate de sua memória, de suas imagens internas e de sua identidade. Nesses momentos difíceis, o gênio de Sergio Britto o ajuda nesse caminho semelhante ao do teatro, como se houvesse um texto teatral a ser relembrado, em diálogo constante com seu sobrinho Paulo Cesar. Paulo, a escuta amorosa; Sergio, a busca de ordem psíquica.

De início palavras soltas, neologismos, associações fragmentadas. Esforço comovente de organização. Sergio escreve ao papel e, a fac-símile, expressa de forma emocionante o esforço de ordenação a partir do caos. Palavras soltas, espaços e, por fim: “hoje é sábado”. Um início de ordenação temporal. Logo depois, os dias da semana, listados em sequência: sábado, domingo, segunda… Mais adiante, diversos nomes de frutas… É a melhora, a ordenação mental, a orientação têmporo-espacial que volta gradualmente. É a mente de Sergio Britto, habituada a muitos textos, muitas imagens, a memorizar diversas falas, mente acostumada às associações e ao imaginar.

Essa mente certamente é capaz de sair vitoriosa nessa batalha sobre o silêncio.

Elementos dos textos teatrais brotam por vezes. Sergio diz com energia e Paulo anota: “A tentativa de burilar as tentativas de se exprimir sobre o que pensa, o que deseja e sua capacidade de sua maneira muito jovem e muito em aberto sobre os pensamentos que virão do texto. Que, por mais que pareça um perigoso jogo de palavra, no fundo é uma busca constante de se encontrar um possível estilo de comunicação”. Sergio descreve assim, em forma vigorosa, sua comovente luta para voltar a se comunicar, manter-se íntegro em meio ao caos.

Os fragmentos continuam, por vezes expressando a busca de ordenação do espaço-tempo: “hoje é o Fla-Flum”; a memória associado ao afeto: “a lembrança de uma sala lembra contacques amorosos”. O papel aglutinador de Paulo Cesar como querido sobrinho, companheiro de há muito tempo no trabalho corporal aplicado ao teatro é fundamental. Os fragmentos brotam às vezes dispersos, às vezes buscando coalizão, e Paulo Cesar é diligente em anotá-los. Sergio reconhece o papel aplicado de Paulo nesse sinuoso caminho a dois: “O Paulinho tem na brilhante escolha uma perfeita visão dos eventos mais constantes e mais corajosamente pensados”.

No dia seguinte, o reconhecimento de um trabalho chamado muito acertadamente de Memória a dois: “meu sobrinho é uma pessoa em alta disponibilidade para se encontrar com o melhor de uma possível memória a dois”. “O que quero do Paulinho é o amor do Paulinho”.

A expressão surpreendente que Sergio emprega é digna de ênfase: “memória a dois…”. A memória de Paulo Cesar favorece a memória de Sergio, ambos relembram juntos, associam juntos… As ideias aos poucos fluem com mais nitidez e se adequam mais ao mundo externo. O efeito do contato com outras pessoas queridas é também importante no caminho.

Diz para Suely Franco ao telefone: “eu quero encontrar um caminho de escrever bonito como vocês merecem”. Os elementos afetivos, estéticos e conceituais seguem caminhos paralelos no psiquismo e atuam uns sobre os outros. A grande capacidade amorosa de Sergio Britto preserva sua personalidade e favorece sua recuperação. No dia 26 de abril, Paulo pede a Sergio, no trabalho de exercício associativo, que diga palavras que comecem com a letra “c”. Sergio diz várias palavras, “casal, caderno, corpo até chegar a “coração”. Logo após diz: “função agora é cada vez mais a minha memória”.

Coração, do latim cor, cordis, é o órgão da memória para os antigos. Sergio é aquele que sempre “soube de cor” seus textos. Agora novamente recorda cada vez melhor a partir do coração. Os antigos estavam certos, a sede da memória é o coração, o encéfalo somente articula nossas lembranças. Sergio está aqui associando amorosamente com o coração. No momento em que a estrutura cerebral está falha e a arquitetura neuronal inconstante em suas conexões, o coração participa como órgão auxiliar da memória de forma decisiva. Depois de legar para a cultura brasileira esses importantes diálogos, Sergio Britto nos deixou órfãos de sua rica presença. Este Memória a dois é sua derradeira obra criativa, uma mensagem de otimismo, força criativa e crença no poder espiritual da vontade. A reflexão que Sergio Britto faz para si mesmo ao terminar serve também para todos nós que o acompanhamos em sua trajetória de estrela fulgurante: “agora é hora de esperar com calma e tentando não sofrer as próximas palavras”. – Walter Boechat

Esse livro é um milagre, afinal Sergio estava chegando em casa de uma longa internação, debilitado, convalescendo, quando me fez o pedido: “Paulinho, agora você vai organizar o meu pensamento”. E eu ter ouvido o que estava por trás desse pedido.

Foi assim que esse texto começou a ser escrito.

Isso é o que chamo de milagre, está tudo ali para acontecer, mas foi preciso que Sergio e eu estivéssemos disponíveis.

Muito importante também o momento em que procurei Walter Boechat, seguindo também o desejo do Sergio. Walter, que já havia trabalhado com Sergio nos fundamentos da psicologia junguiana para a criação de seu espetáculo JUNG E EU, foi comigo de grande delicadeza, atenção, e logo percebeu a importância desse registro, aceitando escrever o prefácio. Isso foi fundamental para mim naquele momento.

Outro ponto importante foi a FUNARTE aceitar editar o livro. Sergio e eu sempre desejamos isso. Agradecemos a todos da Funarte, destacando Antonio Gilberto, Guti Fraga, Oswaldo Carvalho e Filomena Chiaradia.

Esse livro também faz parte de todo um projeto da nossa família, coordenado por minha irmã, pela preservação da memória do Sergio: Ocupação Sergio Britto em São Paulo, Projeto Sergio Britto Memórias.

Ainda no início, ainda nas primeiras anotações, eu lembrava da minha amiga Nise da Silveira, que sempre me dizia qual deveria ser a postura do terapeuta frente ao doente, frente à aquele que sofre. Que não se perguntasse muito, deixasse que a pessoa falasse o que queria e precisava dizer. O essencial. Porque eu tinha muitas curiosidades frente à vida do Sergio, às suas memórias, mas deixava que ele dissesse o que queria dizer, o que queria me contar. Eu sempre soube da importância desse texto e ele aos poucos, vai se dando conta, quando me pedia que eu lesse para ele o que nós tínhamos anotado. Sergio me ouvindo, vai se reconhecendo, vai fazendo contato com o significado do texto. Tudo devagarinho, respeitando o tempo que ele precisava, os silêncios, as reflexões para suportar a dramaticidade daquele momento. Esse texto foi também um exercício para manter a sua esperança de voltar ao palco, seu maior desejo. Durante a criação desse texto, Sergio ainda fazia comigo leituras da peça de Tchecov, O Canto do Cisne, que pensava encenar sob a direção da Isabel Cavalcanti. Ele tinha paixão por essa peça, e esse desejo ainda esteve presente até quando percebe sua incapacidade em memorizar.

Diariamente fazíamos exercícios teatrais, exercícios físicos, dizíamos poemas, cantávamos, Sergio eu e Marilia, dançávamos muito. Sergio adorava tudo isso, precisava se expressar e era necessário manter o seu tempo ocupado. Já no fim de sua vida, na sua última internação em dezembro de 2011, Sergio pede que o tire da cama do hospital: ”Paulinho, para eu ser feliz eu preciso trabalhar na boate, o único lugar do mundo que eu posso ser feliz é a boate ali, ao lado do teatro da Jacqueline Lawrence”.

Era o ator que precisava atuar, e quando me ditou esse texto, era um ator em estado de graça! – Paulo Brito

 

Convite para o lançamento do livro “Memória a Dois”

A Família Brito e a FUNARTE, convidam para o evento de lançamento do livro “Memória a Dois”, quarto livro do escritor Sergio Britto em co-autoria com Paulo Brito, a ser realizado no próximo dia 02.03.16, às 19:30, na Livraria da Travessa – Shopping Leblon.

O lançamento em São Paulo será realizado no dia 07.03.16, às 18:30, na Livraria da Vila – Vila Madalena.

“Memória a dois”, escrito entre abril e maio de 2011, é um diálogo na forma de relato. Sergio Britto exercita sua memória, numa conversa com seu sobrinho Paulo Brito.

Sua derradeira obra criativa, usando todo o tempo a força do homem de teatro exercida por mais de 60 anos!

 

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Encontro com Nathalia Timberg

Aconteceu ontem, 14 de setembro, no Teatro dos Quatro, um bate papo com a atriz Nathalia Timberg. Esse evento foi uma das recompensas oferecidas os colaboradores do financiamento coletivo no site Benfeitoria para o Portal Sergio Britto Memórias. Agradecemos a todos que ajudaram e compareceram a esse lindo encontro.

 

Lançamento da campanha do projeto no Benfeitoria

sergio80memorias-benfeitoria Durante mais de 60 anos de carreira, Sergio Britto participou de momentos decisivos das artes do país; do teatro à ópera, passando também pela literatura e televisão. Em todos esses anos, ele guardou  as matérias publicadas, fotos, programas de espetáculos e muito mais. Organizou tudo com muita disciplina e cuidado. No meio de seus guardados, encontramos raridades como o programa da primeira montagem da peça O beijo no asfalto, diário de viagens, fotos do fim da ditadura militar, entre outros.

Sergio abria o coração, o conhecimento e seu acervo a qualquer pessoa que quisesse pesquisar em sua imensa coleção. Ajudou muitos estudantes e jornalistas. Com sua morte, nós da família, pensamos numa maneira de continuar difundindo esse material. Criamos o portal Sergio Britto Memórias para disponibilisar gratuitamente seu acervo ao público. Conseguimos, via editais, patrocínios da Secretaria de Estado de Cultura e da Petrobras para tornarmos essa iniciativa possível.

Em setembro de 2014, o portal foi oficialmente lançado. Agora, precisamos continuar nosso trabalho e queremos te convidar à se juntar a gente nessa empreitada. Ainda existem muitos textos de espetáculos, fotos do Grande Teatro Tupi e vídeos do programa Arte com Sergio Britto, de espetáculos e entrevistas que ainda não conseguimos incluir no portal. A preservação desse acervo contribui para que a cultura do país se mantenha viva.

Participe conosco! Colabore, compartilhe! www.benfeitoria.com/sergiobrittomemorias

Lançamento do portal e acervo

Galeria de fotos da cerimônia de lançamento do portal e do acervo na casa de cultura Laura Alvim, no Rio de Janeiro, em 22 de setembro de 2014.

 

TV BRASIL – Programa Sem Censura

09/10/2014 – TV BRASIL – Programa Sem Censura: Entrevista com Marilia Brito, sobre o projeto Sergio Britto Memórias.