Teatro Brasileiro de Comédia

Companhia paulistana, fundada em 1948, pelo empresário Franco Zampari, que importa diretores e técnicos da Itália para formar um conjunto de alto nível e repertório sofisticado, solidificando a experiência moderna no teatro brasileiro.

Após a montagem de uma peça amadora de sua autoria, em 1945, o empresário italiano Franco Zampari aproxima-se cada vez mais do movimento amador existente em São Paulo. Como havia escassez de salas disponíveis para as apresentações, ele toma a iniciativa de fundar o Teatro Brasileiro de Comédia – TBC, alugando um edifício no bairro da Bela Vista e transformando-o em confortável teatro, estruturado em moldes industriais de produção. No mesmo espírito são criados o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand – Masp, num empreendimento de Ciccillo Matarazzo e, logo a seguir, a Companhia Cinematográfica Vera Cruz.

A estréia do TBC dá-se em 1948, com as apresentações de La Voix Humaine, de Jean Cocteau, por Henriette Morineau, em francês, e A Mulher do Próximo, de Abílio Pereira de Almeida, pelo Grupo de Teatro Experimental – GTE, dirigido por Alfredo Mesquita. Seguem-se outras produções de amadores até que, em 1949, o conjunto se profissionaliza, lançando Nick Bar…Álcool, Brinquedos, Ambições, de William Saroyan, sob a direção deAdolfo Celi.

A contratação do encenador italiano, formado pela Academia Nacional de Arte Dramática de Silvio D’Amico, é decisiva para o futuro da companhia. Com Celi, o elenco permanente inicia um longo aprendizado técnico e artístico, submetendo-se às exigências de uma montagem moderna, esteticamente sofisticada. Aldo Calvo, o primeiro cenógrafo contratado, ratifica essa opção. Cacilda Becker é a primeira atriz profissionalizada e à sua contratação seguem-se as de: Paulo Autran, Madalena Nicoll, Marina Freire, Ruy Affonso, Elizabeth Henreid, Nydia LiciaSergio CardosoCleyde Yáconis, entre outros.

Os textos são escolhidos em função das dificuldades técnicas oferecidas mas, igualmente, de olho na bilheteria, no gosto do público. Na temporada de 1949, são apresentadosArsênico e Alfazema, de Joseph Kesselring, e Luz de Gás, de Patrick Hamilton, ambos dirigidos por Celi, exercícios que antecedem as montagens de Ele, de Alfred Savoir; e O Mentiroso, de Carlo Goldoni, primeiras direções de Ruggero Jacobbi na casa. Os tecidos dos figurinos são especialmente confeccionados na tecelagem Matarazzo; armas e adereços são forjados em metalúrgicas, contribuindo para o brilho e o sucesso, sem precedentes, até então.

Em 1950, seguem-se Entre Quatro Paredes (Huis Clos), de Jean-Paul Sartre, trazendo à cena o existencialismo como pano de fundo para a atitude amoral dos protagonistas; Um Pedido de Casamento, de Anton Tchekhov, ambas direções de Adolfo Celi; e Os Filhos de Eduardo, de Marc-Gilbert Sauvajon, dirigido por Ruggero Jacobbi e Cacilda Becker; realizações bem feitas que preparam outra grande produção A Ronda dos Malandros, de John Gay, controvertida montagem de Jacobbi que deixa abruptamente o cartaz e marca o desligamento do diretor da companhia. Ziembinski passa a integrar o conjunto e também a dirigir encenações, tais como: Assim Falou Freud, de Anton Cwojdinski; O Homem de Flor na Boca, de Luigi Pirandello, entre outras. A Importância de Ser Prudente, de Oscar Wilde, marca a estréia do diretor Luciano Salce, que encena também O Anjo de Pedra, de Tennessee Williams, outra grande e irrepreensível produção, que faz muito sucesso e fica semanas em cartaz. Ainda nessa temporada, numa criação considerada antológica, Cacilda Becker interpreta um garoto de 13 anos em Pega Fogo, de Jules Renard, e a peça permanece meses em cartaz. Paiol Velho, de Abílio Pereira de Almeida, é um dos raros textos de autor nacional levados ao palco pela companhia.

A montagem de Seis Personagens à Procura de Um Autor, de Luigi Pirandello, em 1951, registra mais um trunfo de Adolfo Celi; seguida imediatamente de outra produção ambiciosa: Convite ao Baile, de Jean Anouilh, encenação de Luciano Salce.

Duas novas realizações merecem destaque: Ralé, de Máximo Gorki, com Maria Della Costaà frente do elenco, única produção em que atua no TBC, e A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas Filho, grandiosa encenação de Luciano Salce, comemoração dos três anos de existência do TBC, que ocupa o Theatro Municipal, destacando Cacilda Becker como protagonista.

Em 1952, a montagem mais bem acabada é Antígone, uma versão de Adolfo Celi que une a tragédia clássica de Sófocles e a versão moderna de Jean Anouilh num programa duplo.

No ano seguinte, são montadas Divórcio para Três, uma comédia de Victorien Sardou, sob a direção de Ziembinski, e Treze à Mesa, de Marc-Gilbert Sauvajon, que marca o retorno de Ruggero Jacobbi à direção de espetáculos na casa e a estréia do jovem Antunes Filho, como assistente de direção da montagem. Assim É…(Se Lhe Parece), de Luigi Pirandello, direção de Luciano Salce, reconduz o conjunto ao sucesso e é considerado pelo críticoDécio de Almeida Prado como “o melhor espetáculo que o TBC apresentou até hoje”.1 ComUma Certa Cabana, que marca a entrada de Tônia Carrero no conjunto, Franco Zampari tenta atrair um público mais amplo para suas realizações. Ao término de 1953, o TBC é um empreendimento artisticamente consolidado, mas amarga dívidas e registra alguns afastamentos, como os de Madalena Nicoll, Leonardo Villar, Ruy Affonso e Elizabeth Henreid. O casal Sergio Cardoso e Nydia Licia sai para fundar sua própria companhia, aCompanhia Nydia Licia-Sergio Cardoso .

No ano de 1954 é a vez de Mortos Sem Sepultura, de Jean-Paul Sartre, em direção deFlaminio Bollini; e Leonor de Mendonça, de Gonçalves Dias, dirigido por Adolfo Celi, realizações entremeadas a comédias e vaudevilles sem significado maior. A crise econômica, todavia, continua rondando o empreendimento. Como alternativa, Franco Zampari abre uma sucursal do TBC no Rio de Janeiro. Pensa, desse modo, explorar mais longamente as produções.

A primeira montagem de 1955 é Santa Marta Fabril S. A., de Abílio Pereira de Almeida, sucesso estrondoso de crítica e público. Após um incêndio, que destrói parte dos equipamentos e figurinos, a companhia volta com as boas encenações de Ziembinski paraVolpone, de Ben Johnson, peça que confirma o talento de Walmor Chagas, e Maria Stuart, de Schiller, em um grande embate cênico entre as irmãs Cacilda Becker e Cleyde Yáconis. Mas 1955 marca a saída de um núcleo importante: Tônia Carrero, Adolfo Celi e Paulo Autran, desligam-se do TBC para fundar companhia própria no Rio de Janeiro.

Os próximos anos serão oscilantes para o conjunto. Entre as montagens bem-sucedidas do ano de 1956, constam: A Casa de Chá do Luar de Agosto, de John Patrick, primeira encenação do belga Maurice Vaneau para a companhia; Eurydice, de Jean Anouilh, direção de Gianni Ratto e Gata em Teto de Zinco Quente, de Tennessee Williams, outra direção de Vaneau.

Em 1957, Rua São Luís, 27 – 8º Andar, de Abílio Pereira de Almeida, é escolhido porque o autor, após triunfante carreira com Moral em Concordata, pelas mãos de Maria Della Costa, insiste com Franco Zampari para que invista no texto e entregue a encenação a Alberto D’Aversa, o novo diretor artístico. O sucesso da escolha adia parcialmente nova crise na rua Major Diogo.

Ainda nesse ano, Cacilda Becker sai do conjunto, levando consigo Walmor Chagas, para fundar o Teatro Cacilda Becker – TCB.

Em 1958 surge uma realização de sucesso: Um Panorama Visto da Ponte, de Arthur Miller, outra ótima encenação de D’Aversa. No mesmo ano, o Teatro de Arena estréia Eles Não Usam Black-Tie e, no ano seguinte, o Teatro Maria Della Costa – TMDC leva à cena Gimba, dois textos de Gianfrancesco Guarnieri que expõem a realidade brasileira com vigor. Um novo momento artístico se desenha então no horizonte, atraindo o público e, a partir dele, Franco Zampari perde o pé na condução do TBC. A crise financeira, artística e de repertório torna-se incontornável. Em 1959, será a vez de Fernanda Montenegro abandonar o TBC, fundando com Sergio Britto, Gianni Ratto e Ítalo Rossi, o Teatro dos Sete.

Em 1960, Franco Zampari entrega a direção da casa à Sociedade administradora e a direção artística a Flávio Rangel, primeiro diretor brasileiro a assumir a companhia. Após uma injeção de verbas públicas, visando sanear as despesas, há o redirecionamento do repertório e sua primeira encenação é a de O Pagador de Promessas, de Dias Gomes. Inicia-se, desse modo, a fase nacionalista do TBC. Flávio dirige ali alguns sucessos de impacto: A Semente, de Gianfrancesco Guarnieri; A Escada, de Jorge Andrade, ambos de 1961; A Morte de Um Caixeiro Viajante, de Arthur MiIler e A Revolução dos Beatos, de Dias Gomes, como também Yerma, de Federico García Lorca, conduzido por Antunes Filho, 1962; e Vereda da Salvação, de Jorge Andrade, última produção da companhia, em 1964.

O TBC é o empreendimento que transforma o rumo da cena nacional. A partir da experiência desta companhia, cujas atividades se estendem por 16 anos, consolida-se o advento da encenação moderna no país; a profissionalização dos atores; a simbiose entre divertimento e cultura, sem que se perca de vista o fator da produtividade aferido pelo faturamento da bilheteria; o treinamento e a formação do ator no sentido da subordinação ao conceito do espetáculo, ou seja aos parâmetros da encenação (a visão do diretor); tem também o projeto da casa de espetáculos agregando uma oficina de produção teatral (ateliê, guarda-roupa, marcenaria, arquivo).

Segundo Alberto Guzik: “O TBC erige um modelo de ação. Modelo passível de ser discutido, valorizado, negado. Tudo isso tem sido feito incessantemente desde 1964. Mas o tempo decorrido começa a derreter as paixões do debate e permite a emersão da verdadeira face dessa casa lendária. O feito de seu repertório eclético até a extravagância é uma experiência irrepetida no Brasil, nessa intensidade. Em dezesseis anos, foram levadas no palco da Major Diogo cento e quarenta e quatro obras, vistas por quase dois milhões de pessoas. Para isso, como diz Paulo Autran, como diz Elizabeth Henreid, como dizem todos os atores saídos das fileiras do TBC, foi necessário muito trabalho”.2

Em depoimento a Maria Thereza Vargas, Cacilda Becker destaca: “Até 1956 tudo conseguiu caminhar bastante bem, porém desse ano em diante, Zampari começa a lutar com dificuldades tremendas. (…) O governo não assistia o TBC. Zampari teria merecido apoio irrestrito de qualquer governo do mundo, mas o nosso nunca lhe ofereceu. (…) No enterro de Zampari, Alfredo Mesquita me disse: ‘O teatro brasileiro deve muito a muita gente, principalmente ao velho Ziembinski, a Paschoal Carlos Magno, mas sobretudo a Franco Zampari. Todos eles deram tudo o que tinham, mas Zampari deu mais, deu a vida…’ “3

Notas

1. PRADO, Décio de Almeida. Revista Anhembi, n. 36, v. 12, nov. 1953.

2. GUZIK, Alberto. TBC: crônica de um sonho. São Paulo: Perspectiva, 1986. p. 228.

3. BECKER, Cacilda. In FERRARA, J.A.; SERRONI, J. C. (Org.). Cenografia e indumentária no TBC. São Paulo: Secretaria do Estado da Cultura, 1980.. p. 73. apud GUZIK, Alberto. TBC: crônica de um sonho. São Paulo: Perspectiva, 1986. p. 228.